Nosso foco

Este espaço tem uma visão crítica da ciência, do humanismo e do laicismo como base palpável para apoiar as relações do homem com a natureza e das relações dos homens entre si. Este tripé é a base das relações sociais que devem ser usadas.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

A negação do laicismo pelo uso do oráculo!


Direito e espiritismo

(17.11.10)

Por Maria Francisca Carneiro,
advogada (OAB/PR n. 22.952), doutora em Direito e pós-doutora em Filosofia.

Uma das grandes conquistas da Humanidade foi a laicização do Direito que, liberto dos grilhões religiosos, pode florescer como uma construção humana. Portanto, o presente artigo, ao defender a existência de um Direito laico e, ao mesmo tempo, tecer algumas relações entre Direito e Espiritismo, não se pretende doutrinário; e sim crítico e aberto. Também não tem intenção de proselitismo.

O principal ponto em comum entre o Direito e o Espiritismo é o senso de justiça que, enquanto para alguns, é produto cultural, para outros, é inato ao ser humano. Não vamos adentrar ao mérito dessa questão, mesmo porque, não há provas de uma ou de outra coisa, e sim meras especulações filosóficas.

Para o Espiritismo, a idéia de Justiça é mais ampla do que para o Direito, pois abrange a possibilidade de sucessivas encarnações para a sua concretização. Já o Direito, por seu turno, viabiliza a Justiça atendo-se à existência de apenas uma vida, que é a vida presente. Ora, essa questão remonta às provas científicas na encarnação, que não são aceitas unanimemente. O maior expoente da ciência no estudo científico das reencarnações é Ian Stevenson, da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, que conseguiu comprovar centenas de casos de reencarnação em diversos países ocidentais e orientais. Todavia, outras centenas de casos estudados ficaram sem comprovação. Assim, a reencarnação, sob o ponto de vista científico, continua sendo uma possibilidade aceita por alguns e refutada por outros, permanecendo mais como uma questão de fé do que de ciência. Cumpre observar, todavia, que não apenas o Espiritismo é reencarnacionista, mas também uma variada de gama de outras religiões, principalmente orientais.

Pois bem. Tomemos como possível a existência de sucessivas reencarnações da alma, a fim de que possamos analisar a idéia espírita de Justiça. Allan Kardec, no “Livro dos Espíritos”, questão 875, pergunta aos espíritos como se deve definir a Justiça, ao que respondem: “A Justiça consiste no respeito aos direitos de cada um”. Ora, essa definição não está inconforme com o Direito posto, ao longo dos séculos da história da Humanidade. Continuando, pergunta Kardec o que determina esses direitos, e os espíritos respondem que “são determinados por duas coisas: a lei humana e a lei natural. Como os homens fizeram leis apropriadas aos seus costumes e ao seu caráter, essas leis podem variar com o progresso (...). O direito dos homens, portanto, nem sempre é conforme a Justiça. Só regula algumas relações sociais, enquanto na vida privada há uma infinidade de atos que são de competência exclusiva do tribunal da consciência”.

Algumas interpretações mais conservadoras da doutrina espírita entendem que se deve suportar as dores do mundo como obra da Justiça, decorrentes de atos faltosos da vida pregressa. Isso levava a um tipo de resignação descabida em nossos dias, quando a evolução da Humanidade nos ensina a lutar pelos nossos direitos. Assim, as correntes mais recentes da hermenêutica espírita põem a ênfase sobre o livre-arbítrio do homem, para reivindicar o que lhe for de direito e assim ir tecendo a sua história, com liberdade de decisão.  O mesmo se aplica aos operadores do Direito, que não devem se resignar diante das injustiças, mas sim trabalhar para construir o que for justo, em conformidade com a época e com o lugar.

A relação entre Direito e Espiritismo, no Brasil, é patente. Uma rápida busca desses vocábulos na internet nos trará milhões de resultados. Com efeito, o Espiritismo desenvolveu-se no Brasil mais do que em qualquer outro país do mundo, mormente entre os anos 30 e 50 do século passado.

Várias vezes os tribunais brasileiros aceitaram o Espiritismo, em questões inclusive controversas, como por exemplo, a admissão de psicografias como meio de prova em Juízo. Sobre esse assunto, assevera Alaíde Barbosa dos Santos Filha, no volume 1 da revista eletrônica ‘Fonte do Direito´, que as psicografias podem ser aceitas como meio de prova judicial, desde que se faça um exame grafotécnico das mesmas, para comprovar se a caligrafia do suposto espírito manifestante coincide com a da referida pessoa, em vida. Porém, muitas vezes nas psicografias a caligrafia é mesmo a do médium, e não do suposto espírito desencarnado. Por essa razão, quer nos parecer que as psicografias não constituem um meio de prova admissível judicialmente, inclusive porque não se pode provar cientificamente a existência de espíritos, tampouco a sua manifestação entre nós. Essa é uma questão de fé, para a qual a ciência não apresenta respostas ou comprovação.

Contudo, não obstante as controvérsias, podemos concluir que há elementos teóricos suficientes para a formulação de uma Teoria Espírita da Justiça, assim como também há, em outras religiões, elementos dos quais se pode haurir teorias que versem sobre a Justiça e sobre o Direito. 


O Direito e a Religião! Sim, mas qual religião?

(22.11.10)

Por Paulo Bento Bandarra,
médico.

Sócrates foi processado na democrática Atenas dentro do processo legal. O “pai da filosofia” foi acusado de corromper a juventude ateniense e desrespeitar os deuses da cidade.  Os principais cidadãos de Atenas uniram-se para acusar Sócrates. Lícon representava os oradores. Meleto, os poetas. E Ânito, os artesãos e líderes políticos. O júri, formado por 500 pessoas sorteadas entre a população ateniense, um número imenso de jurados, condenou Sócrates à morte: 280 a 220 votos. Quem eram estes deuses que a justiça e a população desejavam defender? Quem sabe? Quem crê neles hoje em dia?

Quando da invasão persa na Grécia, por Xerxes, Leônidas, o rei de Esparta, marchou para detê-los no desfiladeiro das Termópilas junto apenas de seus trezentos compatriotas. Motivo: era dia de festejos em homenagens aos deuses e não ficaria bem aos atenienses deixarem suas obrigações religiosas para enfrentar a invasão! Leônidas pereceu junto com seus bravos para ganhar este tempo religioso.

Jesus foi processado e condenando dentro da lei e do rito judaico na época por blasfêmia. Por mais que queiram enxergar uma injustiça no julgamento, ele foi baseado na liturgia e nas leis da época, não foi um crime arbitrário e desmotivado. Era a pena para quem desrespeitasse o Templo, as autoridades religiosas judaicas, blasfemasse e ainda por cima se declarasse Rei dos Judeus! Coisa que Ele nunca negou! Milhares foram crucificados naqueles tempos. Não foi uma exceção. Por muito menos, ou por nada mesmo, a inquisição e a história do cristianismo conta aos milhares os inocentes torturados, queimados vivos ou mortos por vários meios e suplícios em Seu nome.  Nos tempos atuais um pastor da Igreja Universal teve que se evadir do país, por ter chutado uma estátua de gesso na televisão, para fugir da justiça.

Uma grande parte do levante islâmico no Oriente se deve motivado por aqueles povos que não aceitam mais que a justiça seja baseada em preceitos cristão e muito menos laica.

Estes três episódios acima me vêm à mente ao ler o artigo Direito e espiritismo, de 17.11.10, da Dra. Maria Francisca Carneiro, advogada (OAB/PR n. 22.952), doutora em Direito e pós-doutora em Filosofia. Parece-me que antes do Estado ser laico, devemos aceitar que não existe uma religião verdadeira que possa suprimir, dentro do mesmo Estado (ou em todo o mundo), as outras religiões, e ainda aqueles que, por liberdade de pensamento e consciência, não adotam nenhuma. Conquista histórica conseguida a duras penas pela Revolução Inglesa do século XVII, na Revolução Americana no século XVIII, liderada pelos puritanos, fugidos da Europa pela perseguição religiosa e, finalmente, pela Revolução Francesa e a sua imortal Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão!

Creio que o assunto aventado pela doutora se mostra inadequado ao querer que o direito possa passar a ser subordinado ao gosto e a religião do julgador e não pelas provas científicas e os testemunhos verificáveis e presentes na sessão de julgamento. E, claramente, o alegado espírito que teria dado o “seu testemunho” não se fará presente para todos verem e ser visto. Ser interrogado pelas partes. Assim como não se pode usar o médium tanto quanto o Pai de Santo, o Bispo, o Pastor, o Imã ou o Rabino pela sua opinião religiosa.

Aceitar a psicografia como prova e não peça ficcional não faz sentido, pois padrões de letras podem ser falsificados. Para tanto a perícia grafológica. E é muito interessante que os testemunhos psicografados na nossa história jurídica tenham sido todos da defesa negando culpa em assassinatos. Não existe, na história do espiritismo, a indicação do real assassino ou das provas que foram descartadas ou escondidas. Não são indicados pelos médiuns serial killers, pedófilos, assassinos de crianças, facínoras cruéis. Assim como não existe a localização de vítimas por este método, da arma do crime descartada ou das provas que poderiam esclarecer os fatos, segredos do cofre ou documentos perdidos, muitas vezes livrando inocentes.

O que é coerente com o fato de que almas penadas, mesmo tendo sido maltratadas e mortas, nunca apareceram para nos mostrar onde se encontraram os sítios arqueológicos em que foram sacrificadas, tumbas de múmias, cidades perdidas ou templos no meio das florestas. Não podemos considerar que a volta de oráculos, adivinhos ou pitonisas no Tribunal do Júri seja um avanço nos dias de hoje com tantos avanços tecnológicos e filosóficos no direito!


 Oráculos eram os locais onde as pessoas  buscavam respostas divinas a cerca do futuro. É também o nome dado a respostas de deuses decifradas pelos sacerdotes.

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