Nosso foco

Este espaço tem uma visão crítica da ciência, do humanismo e do laicismo como base palpável para apoiar as relações do homem com a natureza e das relações dos homens entre si. Este tripé é a base das relações sociais que devem ser usadas.

domingo, 1 de maio de 2011

Crédulos acreditam em qualquer coisa por que assim desejam.

 

O conto da santa (Ou o Conto do Vigário vigarista)

Boato sobre conversão de bispo que chutou imagem de Nossa Senhora gera polêmica

Chico Silva
Reprodução TV
Fé no Macedo: bispo Sérgio Von Helder não chutou o balde da Universal

A história lembra aqueles milagres que muita gente diz que presenciou, mas que ninguém consegue provar. Sérgio Von Helder, o pastor da Igreja Universal que em 1995 chutou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, no dia da padroeira, teria se convertido ao catolicismo. O boato começou na internet, chegou a dois jornais do interior de São Paulo, foi publicado em uma respeitada revista católica, a Pergunte e Responderemos, editada pelo insuspeito dom Estêvão Bettencourt, monge do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro, e acabou no Programa do Ratinho, no SBT. Também congestionou as linhas telefônicas e lotou caixas de e-mails das emissoras de tevê católicas do País. Mas o milagre virou mico. Von Helder trabalha no escritório da Universal, em Nova York, seguindo ordens de Edir Macedo, o patrono da Universal. Tanto que a mando do chefe, ele teria intermediado as aquisições de um canal de tevê em Atlanta e de uma emissora de rádio em Nova York.

Pedro Agilson
Fé na rede: Dom Bettencourt soube pela internet. “Eles não desmentiram”

Apesar de falsa, a história é extraordinária. O bispo Von Helder teria sido acometido por um estranho mal, que atingiu justamente a perna que chutou a santa. Desesperado com a possibilidade de ficar aleijado, o bispo buscou tratamento em um hospital americano. Entre os médicos da equipe que o atenderam, ficou encantado com uma enfermeira negra. Ela dispensava cuidados especiais ao paciente odiado por milhões de católicos brasileiros. Depois de curado, Von Helder foi cumprimentar os médicos e quis agradecer pessoalmente à enfermeira que tanto cuidado lhe havia dispensado. Ficou chocado ao ser comunicado que no hospital não trabalhava nenhuma mulher negra. Consternado, acreditou que a mulher que o atendeu era a aparição de Nossa Senhora. A partir dali, teria se tornado um fervoroso praticante do catolicismo. Dom Estêvão, que em sua revista publicou o relato que originou a confusão, admite que não procurou confirmar a história com o próprio Von Helder. “Eu vi a notícia em um site e a publiquei com ressalvas, pois não foi o próprio Von Helder que me disse. Mas até o momento a Universal não se manifestou.”

A publicação levou muitos católicos a acreditar no falso milagre. O fato ganhou ainda mais repercussão quando um programa da tevê Canção Nova, emissora católica de Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba, interior de São Paulo, baseado na revista de dom Estêvão, divulgou o milagre como se tivesse ocorrido. ISTOÉ procurou Von Helder no escritório da Universal em Nova York. O bispo não retornou às ligações até o fechamento desta reportagem. De qualquer forma, este é mais um round na batalha que católicos e evangélicos vêm travando desde meados dos anos 90. E esse assalto parece ter sido vencido pelos discípulos de Edir Macedo.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Que angústia um Deus de verdade podê ter?

20/04/2011 

Papa diz que Jesus teve mais medo da morte que filósofo Sócrates


DA EFE, EM ROMA
O papa Bento 16 comparou nesta quarta-feira "a angústia" que sofreu Jesus diante da morte à "tranquilidade" com que o filósofo Sócrates a encarou, segundo referiu Platão em seu dia. 

Bento 16 foi ovacionado por 30 mil fiéis que lotavam a Praça de São Pedro, onde dedicou a audiência da quarta-feira a explicar o rito do Tríduo Pascal, que começa nesta quinta-feira com as celebrações da paixão, morte e ressurreição de Cristo, segundo a tradição cristã. 

É possível "admirar Sócrates, mas os cristãos devem seguir Jesus", disse o papa teólogo ao aprofundar na reza de Jesus no Jardim do Getsêmani antes que os romanos os prendessem. 

"Se refletirmos sobre o drama de Getsêmani podemos ver o grande contraste entre o sofrimento de Jesus e o do grande filósofo Sócrates, que permanece tranquilo", disse o papa. 

"Mas a missão de Jesus era outra, não era a de uma indiferença e liberdade total, mas a de carregar nele todo o sofrimento da humanidade e abrir assim as portas do céu". 

O papa afirmou que "a humilhação de Getsêmani é essencial na missão de Deus". 

"Nesta quarta-feira para muitos é normal opor-se à vontade de Deus, sentir-se livre só se for autônomo, mas na realidade esta pretensão é errônea, seguir a vontade de Deus não corta em nada nossa liberdade, significa só querer reconhecer a verdade". 

"Que a Virgem Maria ensine a todos a acompanhar nestes dias a seu Filho, nos momentos decisivos de seu mistério redentor". 


Que angústia sincera pode ter alguém, que ao contrário de milhares de vítimas inocentes do cristianismo, torturadas, presas, mutiladas por meses e anos; e queimadas na fogueira por crimes inexistentes, sabia o futuro, que ressuscitaria, e a noite, garantia, estaria sentado ao lado direito do Pai? Por que este Deus temeria se era inatingível e imortal verdadeiramente? Para que uma pantomima absurda de quem não poderia ser atingido, ao contrários da milhares de milhares de vítimas do cristianismo?


Que dor pode ser maior do que a perda de um filho?

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Escroqueria


27/04/2010 07h33 - Atualizado em 27/04/2010 10h43
BBC
"A psicanálise cura tanto quanto a homeopatia, o magnetismo, a radiestesia, a massagem do arco do pé, o exorcismo feito por um sacerdote ou uma oração diante da Gruta de Lourdes"
Michel Onfray
Um novo livro que acusa o pai da psicanálise, Sigmund Freud, de ser mentiroso, fracassado e defensor de regimes totalitários está criando polêmica na França.

De acordo com o filósofo francês Michel Onfray, autor de "Le Crépuscule d'une idole, l'affabulation freudienne" (O Crepúsculo de um Ídolo, a Fábula Freudiana), a psicanálise é comparável a uma religião e sua capacidade de curar as pessoas é semelhante à da homeopatia.

O livro começou a ser vendido nesta semana nas livrarias francesas, mas já havia começado a gerar controvérsia antes mesmo de sua publicação. Psicanalistas acusam Onfray de cometer erros e ignorar fatos para defender a sua tese.

'Necessidades fisiológicas'
O conhecido filósofo, que escreveu "Tratado de Ateologia" (publicado também no Brasil), acredita que Freud transformou seus próprios "instintos e necessidades fisiológicas" em uma doutrina com pretensão de ser universal.

Mas, para Onfray, a psicanálise seria "uma disciplina verdadeira e justa no que diz respeito a Freud e ninguém mais".

Freud cobrava US$ 600 por uma sessão e era incapaz de tratar dos pobres, escreve Onfray
Onfray diz que Freud fracassou na cura de pacientes que ele mesmo atendeu, mas ocultou ou alterou suas histórias clínicas para dar a impressão de que o tratamento havia sido bem-sucedido.

Ele afirma, por exemplo, que Sergei Konstantinovitch, indicado por Freud como "o homem dos lobos", continuou fazendo psicanálise mais de meio século depois de ter sido supostamente curado por Freud.
E diz que Bertha Pappenheim, conhecida como "Anna O." e apresentada por Freud como um caso em que o tratamento contra histeria e alucinações funcionou, continuou tendo recaídas.

O efeito do placebo constitui 30% da cura de um medicamento.
Por que a psicanálise escaparia dessa lógica?"
Onfray
Durante um debate com a psicanalista francesa Julia Kristeva publicado esta semana no jornal francês "Le Nouvel Observateur", Onfray rejeitou a noção de que o método de Freud "cura todas as vezes".
"A psicanálise cura tanto quanto a homeopatia, o magnetismo, a radiestesia, a massagem do arco do pé, o exorcismo feito por um sacerdote ou uma oração diante da Gruta de Lourdes (onde há relatos de que Nossa Senhora teria aparecido)", afirmou.

"Sabemos que o efeito do placebo constitui 30% da cura de um medicamento", acrescentou. "Por que a psicanálise escaparia desta lógica?"

Dinheiro, sexo e fascismo
Além de questionar o método de Freud, Onfrey criticou sua personalidade e o apresenta como alguém que foi capaz de cobrar o equivalente ao que seriam hoje US$ 600 por uma sessão, e incapaz de tratar dos pobres.

Onfray nos insulta quando diz que a psicanálise não cura. O que fazemos todos nós em nossos consultórios (...) senão ajudar o sujeito a se converter em ator de sua própria história?"
Serge Hefez
O filósofo francês diz que acredita que Freud tinha preconceito contra homossexuais e com um interesse especial em temas como abuso sexual, complexo de Édipo e incesto, e que dormia com a cunhada.
Em termos ideológicos, Onfray defende a tese de que Freud flertou com o fascismo e diz que em 1933, ele escreveu uma dedicatória elogiosa para Benito Mussolini: "Com as respeitosas saudações de um veterano que reconhece na pessoa do dirigente um herói da cultura."

Ele afirma que o criador da psicanálise procurou se alinhar com o chanceler Engelbert Dollfuss, que instaurou o "austrofascismo" no país, e também às exigências do regime nazista.

'Ódio'
O livro gerou uma onda de troca de acusações e protestos nos círculos intelectuais da França.
A historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco afirmou em artigo em "Le Nouvel Observateur" que o novo texto de Onfray está "cheio de erros" e "rumores".

Roudinesco acusou Onfray de ter tirado as coisas do contexto e afirmou que Freud "de maneira alguma apoiou o fascismo e nunca fez apologia dos regimes autoritários".

"Quando sabemos que 8 milhões de pessoas na França tratam-se com terapias derivadas da psicanálise, está claro que no livro e nas palavras do autor há uma vontade de causar danos", disse.

Em seu debate com Onfray, Kristeva defendeu a psicanálise como um mecanismo capaz de tratar de problemas como a histeria, o complexo de Édipo ou comportamento anoréxico ou bulímico, entre outros.
"Onfray nos insulta quando diz que a psicanálise não cura", escreveu o psiquiatra e psicanalista Serge Hefez no semanário "Le Point". "O que fazemos todos nós em nossos consultórios, centros de terapia familiar, conjugal, nossos hospitais (...) senão ajudar o sujeito a se converter em ator de sua própria história?"
Hefez disse que "a psicanálise cura, é um tratamento útil e vivo praticado por milhares de terapeutas conscienciosos que conhecem fracassos, sucessos parciais e sucessos."

Onfray respondeu que várias reações contra seu livro evitam responder seus argumentos centrais e, em um artigo publicado no jornal francês "Le Monde", perguntou se era impossível fazer uma leitura crítica de Freud.
"Com este livro, alguns amigos haviam me adiantado o ódio porque me metia com o bolso", escreveu. "Hoje eu me dou conta do quão certos estavam."

Cheio de Arte



O Fetiche Freud


Por Leonardo Nascimento


O trabalho do sociólogo não é outro senão aquele de desmistificar o mundo social. Se um químico vai à TV falar sobre o ácido presente no limão, esclarecendo os possíveis perigos do sumo do limão para a pele em um dia de sol, a dona-de-casa rapidamente acreditará no que é dito e tratará de se proteger. Entretanto, se um sociólogo se propõe a analisar alguns aspectos da vida social, mostrando, entre outras coisas, “que o problema fundamental não é o crime, e sim a lei, não é o divórcio e sim o casamento, não é a discriminação social e sim a estratificação por critérios de raça”, etc. As pessoas não terão a mesma opinião em relação às nossas colocações técnicas.

A questão não é diferente em relação à análise das obras culturais e, entre elas, a psicanálise. A publicação do livro “O crepúsculo de um ídolo: a fabulação freudiana” (Le Crépuscule d'une idole, l'affabulation freudienne. Editora Grasset, 2010) de autoria do filósofo francês Michel Onfray, tem causado uma curiosa reação social na França e –seguindo a velha reverberação colonizadora das notícias– nos dois maiores reinos psicanalíticos fora de lá: Brasil e Argentina.

As descrições de Onfray sustentam a tese de que “o freudismo e a psicanálise repousam sobre uma fabulação de alta envergadura apoiada sobre uma série de lendas”. Freud não criou sua teoria a partir da sua prática clínica – ele criou uma psicologia literária baseada em sua autobiografia existencial. Freud não clinicou apenas com a psicanálise – a prescrição da cocaína, a eletroterapia, a terapia por banhos e a imposição de mãos estão entre suas práticas. Freud não curou – ele dissimulou resultados para esconder seus fracassos porque o divã cura apenas dentro dos limites do efeito placebo. Freud não foi um libertário da sexualidade – sua obra legitimaria um ideal ascético, uma falocracia misógina e uma homofobia. Freud não foi um liberal na política – ele escreveu análises contra o comunismo, o marxismo, os bolcheviques, a experiência marxista-leninista, mas sequer uma linha contra Hitler, o nacional-socialismo ou contra o anti-semitismo.

As teses chamam atenção pela clareza e pela virulência em contradizer crenças arraigadas em relação à psicanálise. No entanto, muitas de suas conclusões, são elementos que já estavam de certo modo dispersos em outros livros e pesquisadores, sobretudo no também polêmico “O Livro Negro da Psicanálise" ("Le Livre Noir de la Psychanalyse", Editora Les Arènes, 2008). Ainda assim, o livro tem o mérito inegável de direcionar uma crítica à uma “teoria” que sempre quis escapar a toda relativização filosófica e sociológica.

Em pouco mais de 100 anos a psicanálise dispersou-se pela cultura ocidental como um vírus, de modo que tudo à nossa volta parece ser psicanalítico e confirmar a veracidade da própria psicanálise. Entretanto, os filmes, os livros, pinturas, etc. são “psicanalíticos” porque foram gestados dentro de uma cultura previamente seduzida pela própria psicanálise: Freud e a psicanálise criaram uma cultura à sua imagem e semelhança.

Portanto, uma apropriação crítica da psicanálise implicaria em desconstruí-la de dois pontos de vista. Um interno à teoria: demonstrando que sua gênese deve ser pensada circunscrita a um contexto histórico muito específico e à própria figura do seu fundador, Sigmund Freud. E uma crítica em relação aos efeitos da prática social da psicanálise. Os efeitos sociais dos seus artífices – os psicanalistas – e, também, no conjunto de agentes sociais direta ou indiretamente ligados a esta “práxis” – semelhante ao que foi denominado de “psicanalismo” por Robert Castell.

Com isso quero dizer que não podemos desconsiderar a existência de uma luta material e simbólica em jogo ao tratarmos criticamente a psicanálise. Há pessoas cujas vidas dependem dos lucros exorbitantes do “tratamento” psicanalítico. E não me refiro apenas aos psicanalistas e seus luxuosos consultórios, mas a todo um conjunto de agentes que participam deste processo: editoras, livrarias, entidades de formação em psicanálise, os secretários dos referidos consultórios, estudantes de psicologia, etc. Há guethos psicanalíticos por aí: congressos, pós-graduações, lançamento de livros, seções nas bibliotecas, convescotes psicanalíticos, etc. E todos eles dependem da existência social da psicanálise. São todos estes atores que sustentam a fábula quimérica de que nos fala Michel Onfray. São eles que refazem o trabalho social de produção da crença na própria psicanálise. E há, não podemos esquecer, aqueles que buscam o serviço psicanalítico e que, como bem sabemos, representam uma fatia materialmente abastada da nossa sociedade. Pessoas cuja inserção econômica caminha lado a lado com o tipo de problemas psicológicos que elas apresentam. Lembro do debate em um serviço de psicologia de Salvador, que se propunha a ser uma “clínica popular”. Ocorriam brigas horríveis entre os psicanalistas e os psicólogos comportamentais, pois os primeiros tendiam a repassar os pacientes mais miseráveis para os segundos com a justificativa de que aqueles pacientes muito pobres “não entravam em análise”. 

Por fim, diante da leitura do livro de Michel Onfray, surge para nós outro problema mais fundamental: não basta nos contentarmos em “provar” o charlatanismo da psicanálise ou do seu pai fundador Sigmund Freud. Ao contrário, seria preciso perguntar como um saber, com as características da psicanálise, conseguiu e ainda consegue – dentro de certos países e grupos – estar disseminado e adquirir um interesse relativamente expressivo. O “crepúsculo de Freud”, anunciado por este livro, talvez aponte, se pudermos pensar com Michel Foucault, que o “regime de verdade” da psicanálise esteja passando, em detrimento de outros regimes que ainda não conseguimos vislumbrar. 






29/04/2010

Freud no divã


O sempre polêmico filósofo francês Michel Onfray aprontou mais uma. Acaba de lançar o livro "Le Crepuscule d'une Idole - L'Affabulation Freudienne" (O Crepúsculo de um Ídolo - A Fabulação Freudiana), no qual desfere fortes ataques à vida e à obra de Sigmund Freud (1856-1939), o pai da psicanálise. Mesmo antes da chegada do catatau de 624 páginas às livrarias, no último dia 21, a França vivia clima de guerra intelectual, com a comunidade psicanalítica (principalmente freudianos e lacanianos) se mobilizando para responder à ofensiva.
O objetivo de Onfray em "Le Crepuscule", cujo título já escancara sua inspiração nietzschiana, é demonstrar que "a psicanálise funciona como uma metafísica de substituição num mundo sem metafísica e oferece elementos para a construção de uma religião numa época do pós-religioso". Segundo o filósofo, as instituições da psicanálise foram construídas por seus "sacerdotes" num esquema próximo ao da religião cristã, com seus patriarcas trabalhando diligentemente para esconder o que poderia vir a macular o mito --daí a própria razão de ser do livro, que é desconstruir as falsificações.
Confesso que tenho simpatias por Onfray. Não tanto pela qualidade de sua obra, da qual li pequena fração, mas pela capacidade de colocar o dedo nas feridas intelectuais francesas e torcê-las sem dó. Neste caso, porém, só lhe dou meia razão.
É claro que a psicanálise não é nem nunca foi uma ciência. E quem frequentar um psicanalista em busca de cura para doenças mentais não apenas joga dinheiro fora como ainda pode estar retardando intervenções médicas necessárias. Parece-me entretanto historicamente falso, além de injusto, negar a Freud um lugar no panteão dos pioneiros. Afinal, ele foi o primeiro a identificar o inconsciente e ressaltar sua importância nos processos mentais humanos --o que não é pouca coisa. Receio, porém, que já esteja me antecipando. Voltemos às críticas de Onfray. Depois retomo a apreciação do que, a meu ver, sobrevive de Freud.
Pela reportagem que o caderno Mais! (só para assinantes do UOL e da Folha) publicou no último domingo, "Le Crepuscule" não tem muito de inédito. Ele como que retoma, agora sob coreografia do polêmico filósofo, objeções epistemológicas e argumentos "ad hominem" que já haviam sido publicados em 2005 em "Le Livre Noir de la Psychanalyse" (O Livro Negro da Psicanálise), obra coletiva que reúne 40 artigos contra Freud.
E o próprio "Livre Noir" não é exatamente uma novidade. Ele é uma tradução para o francês dos humores antipsicanalíticos que emanam do mundo acadêmico norte-americano, onde a visão preponderante é a de que Freud nunca passou de um charlatão.
Isso foi algo que me chamou a atenção durante o ano sabático de 2008-2009 que passei na Universidade de Michigan. Ali ninguém fala de Freud, que praticamente não consta dos programas de psicologia, seja de graduação ou de pós, de nenhuma das grandes universidades que consultei. (Além de Michigan, dei uma olhadinha em Stanford e Yale, que têm os dois mais conceituados departamentos de psicologia dos EUA). Com um pouco de sorte, o nome do pensador vienense talvez seja mencionado --e bem "en passant"-- em algum curso introdutório. O resto é basicamente neurociência, ciência cognitiva, psicolinguística, um pouquinho de nada de sociologia e, na parte clínica, terapias não psicanalíticas.
O contraste com o Brasil é gritante. Aqui, a julgar pelo programa da PUC-SP, Freud e sucessores, como Jung e Melanie Klein, ainda compõem algo como um terço do currículo. Não creio que a situação seja muito diferente nas outras instituições.
O ocaso de Freud nos EUA (e em outros países que prestam mais atenção à ciência do que à metafísica) teve início nos anos 50, com o desenvolvimento dos primeiros fármacos psicoativos. A constatação de que drogas eram capazes de provocar alterações no psiquismo abriu toda uma nova avenida para pesquisas. Os antipsicóticos nos fizeram compreender melhor o sistema dopaminérgico. Depois vieram os antidepressivos e, com eles, foram destrinchados os sistemas da serotonina e das monoaminas. Ressonâncias magnéticas funcionais e tomografias por emissão de pósitrons completaram o arsenal do qual hoje a neurociência se vale para esquadrinhar o cérebro. Paixões, pensamentos e até o raciocínio lógico deixam cada vez mais de ser abstrações para tornar-se manifestações físicas no neurônios. É o triunfo do monismo.
Os avanços nesse campo foram tão rápidos e surpreendentes que há autores como George Lakoff afirmando que até mesmo as metáforas que utilizamos na linguagem têm existência material em nossas células nervosas. Diante de tão palpáveis evidências, fica mesmo difícil recorrer a conceitos algo nebulosos como complexo de Édipo, recalque, pulsão de morte e cura pela palavra.
Paradoxalmente, o próprio Freud, que jamais renunciou à pretensão de fazer ciência, teria aplaudido o avanço da psicofarmacologia. Em seu último livro, o inacabado "Esboço de Psicanálise", de 1938, ele escreveu: "O futuro provavelmente vai nos ensinar a influenciar diretamente as quantidades (psíquicas) de energia e sua distribuição no aparelho psíquico por meio de matérias químicas especiais. Talvez surjam ainda outras possibilidades ainda desconhecidas de terapia; por enquanto nós ainda não temos nada melhor que a técnica psicanalítica à nossa disposição e por isso ela não deve ser desprezada, apesar de suas limitações".
Aparentemente, esse futuro chegou --em que pese a forma ainda grosseira com que atuam os psicofármacos.
Do modo que foi formulada, a psicanálise jamais passou perto de ser uma ciência. Faltam-lhe metodologia, resultados e conteúdo empírico para reclamar estatuto epistemológico. E acho complicado até tentar reservar para ela o papel de saber curativo. Pelo menos para mim, é especialmente chocante a ideia de que o principal que havia a ser dito sobre o psiquismo humano foi dito por Freud mais de 70 anos atrás e, de lá para cá, nada de muito relevante surgiu. Se é verdade que as ciências duras, em especial as biológicas, padecem do defeito de olhar muito pouco para seu próprio passado --médicos raramente leem um texto com mais de cinco anos--, a psicanálise tem a falha de ser imune ao presente. A verdade já foi revelada pelo profeta vienense, não havendo mais nada (ou quase nada) a acrescentar.
E essa é uma característica que, na minha opinião, dá razão a Onfray quando afirma que a psicanálise se estruturou de forma semelhante às religiões --ou partidos políticos de esquerda, ouso acrescentar. Para prová-lo, basta conferir o elevado número de defecções, rompimentos e até excomunhões entre seus membros.
É claro que, numa sociedade livre, cada um pode ir atrás do que lhe faz bem. Se o fiel encontra conforto na missa, é perfeitamente legítimo que o neurótico busque alívio no divã. Dada, entretanto, a ausência de evidências científicas de que essas terapias funcionam para além do efeito placebo, relutaria bastante antes de introduzi-la na rede pública de atendimento.
Só que nem a precariedade epistemológica da psicanálise nem as várias picuinhas levantadas por Onfray, como as supostas infidelidades conjugais de Freud ou suas propaladas simpatias pelo fascismo, são suficientes para tirar do vienense o grande mérito de ter "inventado" o inconsciente. Os avanços da neurociência vão mostrando que esse conceito é ainda mais importante do que suspeitava o pai da psicanálise. Experimentos nesse campo já colocam em dúvida até a existência do livre-arbítrio. Ter percebido isso num mundo ainda vitoriano é definitivamente uma façanha. Apenas isso já bastaria para colocar Freud no mesmo patamar de outros grandes pensadores que, munidos apenas da especulação, contribuíram para que a humanidade pudesse lançar um novo olhar sobre si mesma.
Freud é um clássico --e a psicanálise, seu maior erro.
Hélio Schwartsman, 45 anos, é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Pelo menos é uma fonte a menos!


 
01/01/2011 - 00:44

Polêmica

"Não acreditar em Deus é um atalho para a felicidade"

Em novo livro, o filósofo e neurocientista americano Sam Harris propõe a criação de uma 'ciência da moralidade' para acabar de uma vez por todas com a influência da religião

Marco Túlio Pires
 
"A tolerância à intolerância nada mais é do que covardia"
"Na ciência não existem dogmas. Qualquer afirmação pode ser contestada de maneira sensata e honesta"
"O Papa é culpável pelo escândalo do estupro infantil dentro da Igreja Católica"
—Sam Harris

Quando o filósofo americano Sam Harris soube que o atentado ao World Trade Center em Nova York (Estados Unidos), no dia 11 de setembro de 2001, teve motivações religiosas, a briga passou a ser pessoal. Harris publicou em 2004 o livro A Morte da Fé (Companhia das Letras) — uma brutal investida contra as religiões, segundo ele, responsáveis pelo sofrimento desnecessário de milhões. Para Harris, os únicos anjos que deveríamos invocar são a ‘razão’, a ‘honestidade’ e o ‘amor’.


"A Ciência é capaz de dizer o que é certo e o que é errado", diz Sam Harris
"A Ciência é capaz de dizer o que é certo e o que é errado", diz Sam Harris

Ao entrar de cabeça em um assunto tão delicado, o filósofo de 43 anos conquistou uma legião de inimigos e deu início a uma espécie de combate literário. Em resposta à repercussão de seu primeiro livro, que levou à publicação de livros-resposta sob as perspectivas muçulmana, católica e outras, os ataques de Harris à fé religiosa continuaram em 2006, com o lançamento do livro Carta a Uma Nação Cristã (Companhia das Letras).

Criado em um lar secular, que nunca discutiu a existência de Deus e nunca criticou outras religiões, Harris recebeu o título de Doutor em Neurociência em 2009 pela Universidade da Califórnia (Estados Unidos). A pesquisa de doutorado serviu como base para seu terceiro livro, lançado em outubro de 2010: The Moral Landscape (sem edição brasileira). Nele, Harris conquista novos inimigos, dessa vez cientistas.

Agora, Harris tenta utilizar a razão e a investigação científica para resolver problemas morais, sugerindo a criação do que ele chama de "ciência da moralidade". Ele afirma que o bem-estar humano está relacionado a estados mentais mensuráveis pela neurociência e, por isso, seria possível investigar a felicidade humana sob essa ótica — algo com que a maioria dos cientistas está longe de concordar.
A ciência da moralidade substituiria a religião no papel de dizer o que é bom ou mau. Esse ‘novo ateísmo’ rendeu a Harris e outros três autores proeminentes — Daniel Dennet, Richard Dawkins e Christopher Hitchens — o título de 'Cavaleiros do Apocalipse'.

Em entrevista ao site de VEJA, Harris explica os pontos mais sensíveis de sua argumentação, e afirma que descrer de Deus é um atalho para a felicidade.

Por que a moralidade e as definições do bem e do mal não deveriam ser deixadas para a religião? O problema com relação à Religião é que ela dissocia as questões do bem e do mal da questão do bem-estar. Por isso, a religião ignora o sofrimento em certas situações, e em outras chega a incentivá-lo. Deixe-me dar um exemplo. Ao se opor aos métodos contraceptivos, a doutrina da Igreja Católica causa sofrimento. É coerente com seus dogmas, embora eles levem crianças a nascerem na pobreza extrema e pessoas a serem infectadas pela aids, por fazerem sexo sem camisinha. Através das eras, os dogmas contribuíram para a miséria humana de maneira tremenda e desnecessária. 

Nem toda moralidade é baseada em religião. Existe uma longa tradição de pensamento moral secular por meio da filosofia. O que há de errado com essa tradição? Não há nada de errado com ela a não ser o fato de que a maior parte das discussões filosóficas seculares são confusas e irrelevantes para as questões importantes na vida humana. Deveria ser consenso o apreço ao bem-estar humano. Se alguma coisa é má, é porque ela causa um grande e desnecessário sofrimento ou impede a felicidade das pessoas. Se alguma coisa é boa, é porque ela faz o contrário. Mas existem filósofos seculares batendo cabeça em debates entediantes, dizendo que não podemos falar de verdade moral. Segundo eles, cada cultura deve ser livre para inventar seus ideais morais sem ser perturbado por outros. Isso é loucura. Hoje reconhecemos que a escravidão, que era praticada por muitas culturas, era fonte de sofrimento. Nesse caso, deixamos para trás o relativismo. Por que não podemos fazer o mesmo em outros casos?

Você parece sugerir que a tolerância a outros credos não é uma virtude, como a maioria pensa. Por quê? É um posicionamento inicial muito bom. A tolerância é a inclinação para evitar conflito com outras pessoas. É como queremos que a maioria se comporte a maior parte do tempo quando se depara com diferenças culturais. Mas quando as diferenças se tornam extremas e a disparidade na sabedoria moral se torna incrivelmente óbvia, então, a tolerância não é mais uma opção. A tolerância à intolerância nada mais é do que covardia. Não podemos tolerar uma jihad global. A ideia de que se pode chegar ao paraíso explodindo pessoas inocentes não é um arranjo tolerável. Temos que combater essas coisas por meio da intolerância às pessoas que estão comprometidas com essa ideologia. Não acredito que seria possível sentar à mesa com, por exemplo, Osama Bin Laden e convencê-lo que a forma como ele enxerga o mundo é errada.

Por que a ciência deveria ditar o que é certo e o que é errado? Temos que reconhecer que as questões morais possuem respostas corretas. Se o bem-estar humano surge a partir de certas causas, inclusive neurológicas, quer dizer que existem formas certas e erradas para procurar a felicidade e evitar a infelicidade. E se as respostas corretas existem, elas podem ser investigadas pela ciência. Chamo de ciência o nosso melhor esforço em fazer afirmativas honestas sobre a natureza do mundo, tendo como base a razão e as evidências.
O que é a ciência da moralidade e o que ela quer conquistar? É a ciência da mente humana e das variáveis que afetam a nossa experiência do mundo para o bem ou para o mal. Ela pretende discutir, por exemplo, o que acontece com mulheres e garotas que são forçadas a utilizarem a burca [vestimenta muçulmana que cobre todo o corpo da mulher]. São efeitos neurológicos, psicológicos, sociológicos que afetam o bem-estar dos seres humanos. Com a burca, sabemos que é ruim para as mulheres e para a sociedade. Se metade de uma sociedade é forçada a ser analfabeta e economicamente improdutiva, mas ter quantos filhos conseguir, fica óbvio que essa é uma estratégia ruim para construir uma população que prospera. O objetivo é entender o bem-estar humano. Assim como queremos fazer convergir os princípios do conhecimento, queremos que as pessoas sejam racionais, que avaliem as evidências, que sejam intelectualmente honestas e que não sejam guiadas por ilusões. A Ciência da Moralidade pretende aumentar as possibilidades da felicidade humana.

O senhor afirma que há um muro dividindo a ciência e a moralidade. No que ele consiste? Existem razões boas e ruins para a existência desse muro. A boa é que os cientistas reconhecem que os elementos relevantes ao bem-estar humano são extremamente complicados. Sabemos muito pouco sobre o cérebro, por exemplo, para entender todos os aspectos da mente humana. A ciência espera um dia responder essas questões e isso é muito bom. A razão ruim é que muitos cientistas foram confundidos pela filosofia a pensar que a ciência é um espaço sem valores. E a moralidade está, por definição, na seara dos valores. Esse muro não será destruído enquanto não admitirmos que a moralidade está relacionada à experiência humana, que por sua vez está relacionada com o cérebro e com a forma pela qual o universo se apresenta. Ou seja, por elementos que podem ser investigados pela ciência.

Quais avanços científicos lhe fazem pensar que, agora, a moralidade pode ser tratada a partir do ponto de vista do laboratório? Temos condição de dizer quando uma pessoa está olhando para um rosto, ou uma casa, ou um animal, ou quais palavras ela está pensando dentro de uma lista. Esse nível cru de diferenciação de estados mentais está definitivamente ao alcance da ciência. Sabemos quando uma pessoa está sentindo medo ou amor. Por causa disso podemos, em princípio, pegar uma pessoa que diz não ser racista, colocá-la em um medidor e verificar se ela está falando a verdade. Não apenas isso, podemos descobrir se ela está mentindo para si mesma ou para as outras pessoas. A tecnologia já chegou a esse nível, mas não conseguimos ler a mente das pessoas com detalhes. É possível que futuramente possamos descobrir coisas sobre a nossa subjetividade de que não temos consciência, utilizando experimentos científicos. E isso tudo se relaciona ao bem-estar humano e o modo como as pessoas ficam felizes e como poderemos viver juntos para maximizar a possibilidade de ter vidas que valham a pena.

Por que deveríamos confiar a educação dos nossos filhos aos valores científicos? Os cientistas não se transformariam, com o tempo, em algo como padres, mas com uma ‘batina’ diferente? Cientistas não são padres. Os médicos, por exemplo, agem sob o pensamento da medicina, que, como fonte de autoridade, não se tornou arrogante ou limitou a liberdade das pessoas de maneira assustadora. É uma disciplina que está concentrada em entender a vida humana e minimizar o sofrimento físico. Seu médico nunca vai até você ‘pregar’ sobre os preceitos da ciência, você vai até ele quando precisa. Pais que se deixam guiar por dogmas religiosos não dão remédios aos filhos e os deixam morrer. Na ciência não existem dogmas. Qualquer afirmação pode ser contestada de maneira sensata e honesta.

O que dizer dos experimentos neurológicos que sugerem que a crença religiosa está embutida nos nossos cérebros? Não acho que a crença religiosa esteja embutida no cérebro humano. Mas digamos que esteja. Façamos um paralelo com a bruxaria. Pode ser que a crença em bruxaria estivesse embutida em nossos cérebros. A bruxaria matou muitos seres humanos, assim como a religião. Todas as culturas tradicionais acreditaram em algum momento em bruxas e no poder de magia e, na verdade, a crença na reza possui um conceito semelhante. Algumas pessoas dizem que sempre acreditaremos em bruxas, que a saúde humana será afetada pela 'magia' de vizinhos. Na África, muitas pessoas realmente acreditam em bruxaria e isso é terrível porque causa sofrimento desnecessário. Quando não se entende porque as pessoas ficam doentes, ou porque as crianças morrem antes dos três anos, você está num estado de ignorância que a crença em bruxaria está suprindo uma necessidade de maneira nociva. Superamos isso no mundo desenvolvido por causa do avanço da Ciência. Sabemos como a agricultura é afetada, por exemplo. Entendemos os fenômenos meteorológicos e a biologia das plantas. Não é algo que a religião resolve, e sim a ciência. Mas costumava ser assim. A crença na regência de um deus sobre a lavoura era universal.

As pessoas deveriam parar de acreditar em Deus? Se eu acho que as pessoas deveriam parar de acreditar no Deus da Bíblia? Com certeza. Da mesma forma que as pessoas pararam de acreditar em Zeus, em Thor e milhares de deuses mortos. O Deus da Bíblia tem exatamente o mesmo status desses deuses mortos. É um acidente histórico estarmos falando dele e não de Zeus. Poderíamos estar vivendo num mundo onde os suicidas muçulmanos se explodiriam por causa de ideias dos deuses do Monte Olimpo. A diferença entre xiitas e sunitas muçulmanos é a mesma diferença entre seguidores de Apolo e seguidores de Dionísio.
O senhor sempre foi ateu? Nunca me considerei um ateu, nem mesmo ao escrever meu primeiro livro. Todos somos ateus em relação a Zeus e Thor. Eu era um ateu em relação a eles e ao deus de Abraão. Mas nunca me considerei um ateu, como a maioria das pessoas não se considera pagã em relação aos deuses do Monte Olimpo. Foi no 11 de setembro de 2001, dia do atentado ao World Trade Center em Nova York, que senti que criticar a religião publicamente havia se tornado uma necessidade moral e intelectual. Antes disso eu era apenas um descrente. Eu nunca havia lido livros ateus, ou tivera qualquer conexão com a comunidade ateísta. O ateísmo não é um conceito que considere interessante ou útil. Temos que falar sobre razão, evidências, verdade, honestidade intelectual — todas essas coisas são virtudes que nos deram a ciência e todo tipo de comportamento pacífico e cooperativo. Não é preciso dizer que você é contra algo para advogar em favor da honestidade intelectual. Foi justamente isso que destruiu os dogmas religiosos.

O senhor cresceu em um ambiente religioso? Cresci em um ambiente completamente secular, mas não havia crítica às religiões ou discussões sobre ateísmo, existência de Deus etc. Quando era adolescente, fiquei muito interessado em religiões e experiências religiosas. Coisas como meditação, por exemplo. Aos vinte, comecei a estudar espiritualidade e misticismo. Ainda me interesso por essas coisas, mas acho que, para experimentar, não precisamos acreditar em nada que não possua evidencias suficientes.

Como o senhor se sente em ser rotulado como um dos ‘Quatro Cavaleiros do Apocalipse’? Estou muito feliz com a companhia! É uma honra. A associação não me desagrada de forma alguma. Acho que os quatro lucraram por terem sido reunidos e tratados como uma pessoa de quatro cabeças. Em alguns momentos é um desserviço porque nossos argumentos não são exatamente os mesmos e não acreditamos nas mesmas coisas em todos os pontos. Mas tem sido útil sob o ponto de vista das publicações e admiro muito os outros cavaleiros  — os considero mentores e amigos. A parte do apocalipse tem um efeito cômico

Se o senhor tivesse a chance de se encontrar com o Papa para um longo e honesto bate-papo, qual seria sua primeira pergunta? Gostaria de falar imediatamente sobre o escândalo do estupro infantil dentro da Igreja Católica. Acho que o Papa é culpável por tudo que aconteceu. A evidência nesse momento sugere que ele estava entre as pessoas que conseguiram fazer prolongar o sofrimento de crianças por muitos anos. Acho que ele trabalhou ativamente para proteger a Igreja do constrangimento e no processo conseguiu garantir que os estupradores tivessem acesso às crianças por décadas além do que deveria ter sido. O Papa deveria ser diretamente desafiado por causa disso. Contudo, é algo que seu status como líder religioso impede que aconteça. Ele nunca seria protegido dessa forma se ele estivesse em qualquer outra posição na sociedade. Imagine o que aconteceria se descobrissem que o reitor da Universidade de Harvard [uma das universidades americanas mais respeitadas do mundo] tivesse permitido que empregados da universidade estuprassem crianças por décadas e ele tivesse mudado essas pessoas de departamento para protegê-las da justiça secular? Ele estaria na cadeia agora. E isso é impensável quando se fala do Papa. Isso acontece por que nos ensinaram a tratar a religião com deferência.